Domingo, 21 de Junho de 2009

Planeei o dia do seguinte modo:

Despertar ao raiar da manhã assim que os primeiros raios de sol raiem no meu quarto; Acordar de bem com a vida, com o mundo, e se possível comigo mesmo; Tomar um pequeno almoço abundante em cereais, frutas e quantidades exacerbadas de alegria e de boa disposição; Deslocar-me, aos pulos, a casa do meu amigo Fulano e pedir-lhe, amavelmente, que por favor me devolva os livros que lhe emprestei, agora que estão decorridos cinco anos desde então - todos os dez; Despedir-me de Fulano cordialmente devolvendo-lhe o passou bem; Deixar os livros devolvidos em casa e passear tranquilamente ao longo do rio de modo a que a maresia me entre pelas narinas até ao cérebro, e me incite, finalmente, a escrever o poema que terei no momento na minha cabeça e no meu peito; Sentar-me perto de uma senhora bonita e escrever o poema; Oferecê-lo à senhora e convencê-la a ir para casa comigo, ou não sendo isso possível até ao café, ou ficarmos apenas os dois ali, eu admirando o quanto ela é bonita, ela o quanto eu sou sensível, pois naquele momento estarei afagando o focinho do cãozinho que lá estiver, e não sendo nem isto possível dormitar eu mesmo, sozinho, na minha triste figura, junto ao rio, com a maresia a sair-me pela boca; Pedir a um transeunte se se não se incomodar me indique um bom restaurante onde possa almoçar resfateladamente;  Almoçar no restaurante ao lado; Demorar-me no café; Sentir a barriga inchada; Acender um cigarro à porta do restaurante e gritar uma viva bem alto, mas de modo a que ninguém me oiça, por o dia estar tão belo e prazenteiro; Comprar o jornal e sentar-me no banco do jardim lendo apenas os gordos cabeçalhos com as crianças brincando alto de um lado para o outro, os namorados passeando de mãos apertadas uma na outra, os enfastiados velhos dormitando sonoramente de mãos cruzadas segurando a barriga ampla; Caminhar com a segurança que tenho em mim mesmo pelas grandes avenidas apinhadas e olhar todas as montras de todas as lojas até disso me cansar; Sentar-me então na esplanada da pior taberna das redondezas e saborear a melhor refeição que os deuses podem oferecer; Ir ao teatro e poder, enfim, não entender nada do que lá se passar como eu tanto gosto; Aplaudir os actores de pé se ninguém se levantar ou apludir sentado se a peça for muito boa; Abraçar os mendigos que se aquecem, à porta do teatro, nas suas fogueiras de cartão; Dar-lhes as boas noites; Abrir bem os braços e voar no regresso a casa não esquecendo de dar aos pés para não cair; Chegar a casa extenuado de felicidade e mergulhar na minha cama de madeira antiga; Sonhar com este maravilhoso dia.

O dia passou-se-me do seguinte modo:

Acordei tarde e com azia; Ao sair da cama esqueci-me de que havia chão e acabei por me estatelar nele; Saí de casa sem me alimentar e não achei a gabardine que tive de procurar pois a chuva agredia os vidros das minhas janelas sem dó; Perdi-me nas ruas da minha infância e não me encontrei a tempo de almoçar; Além de azia, febre; Procurei o meu amigo Fulano para lhe pedir que me devolvesse os livros que lhe emprestei, entanto em vez disso lançou-me vitupérios e coisas à sua mercê tais como um vaso de gerbérias e uma cadeira; Fui atingido por esta última na fronte; Além de azia e febre, dor de cabeça; Sentei-me no banco do jardim e pedi um beijo à senhora que lá se encontrava e recebi dois estalos, um em cada bochecha; Decidi adiantar o relógio para o dia se gastar mais rapidamente, mas já o havia perdido não sei onde; Decidi então que o melhorar seria regressar a casa na passada mais larga que eu tivesse mas a meio do caminho fui assaltado por uns quantos rufias e levaram-me até a vergonha; Regressei a casa em pelota; Decidi que, após este dia malsão, me deitaria na minha cama velha até ao ano seguinte; Assim aconteceu.

Conclusão: Aconselho: Não faças planos. 

 



publicado por Mário Ramos d´Almeida às 21:57
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