Domingo, 19 de Julho de 2009

A seguir a uma porta aberta existe sempre outra fechada, e foi precisamente isto que me sucedeu numa tarde invernal em que um manto acinzentado desabava dos céus sobre a cidade repleta de portas abertas e fechadas, e muitas janelas, sobretudo muitas janelas. Sempre pensei que não sabia o que queria, mas afinal sempre trouxe tudo muito bem delineado dentro da minha cabeça. Ou pelo menos assim o julguei. Mas como dizia, atravessei a porta aberta e encontrei a outra fechada, portanto não tinha como sair do palácio erguido por escravos, e mantido por súbditos, nos meus sonhos. As janelas, essas, eram demasiado altas e portanto inacessíveis, nem mesmo com pulos fantasticamente sobre-humanos. Arrombar a porta fechada era-me desoladoramente impossível pois ela nem sequer lá se encontrava. A verdade é que saí do palácio pelos meus próprios pés e tanto assim é que aqui estou. Quis voltar atrás para tornar a atravessar a porta aberta mas nem isso me foi possível. Assim que atravessamos portas abertas elas fecham-se com estrondo atrás de nós. Visto que na minha cabeça grassam estrondos a qualquer instante, não a ouvi fechar. Passei pois a estar entre duas portas fechadas num palácio inabitado senão por todo o tipo de insectos e com janelas demasiado altas, inacessíveis. Eis o drama de uma vida inteira de cárcere dentro de mim.

Jamais andara de corda no bolso mas o certo é que naquele momento lá encontrei uma. Enrolei uma ponta no lustre que pendia sobre a minha cabeça e com a outra envolvi delicadamente o meu pescoço. Saltei para o vazio esperançado em me esticar mas, ó normal absurdo!, a corda partiu-se violentamente não suportando o meu peso e acabei por me estatelar sobre mim mesmo no marmóreo chão do palácio inventado. Estava, portanto, encarcerado dentro de mim. Estava pois encarcerado dentro de mim mesmo num palácio infindável, entre duas portas fechadas, mas sobretudo com muitas janelas altas, inacessiveis. Como raio escapar então desta fantástica armadilha montada pelos deuses? Da única maneira possível que o meu olhar vislumbrou: escavar um túnel em mim mesmo e rastejar por ele afora. E foi o que fiz, pelo menos aparentemente, não há certezas. A verdade é que não estou no palácio, não vejo portas abertas ou fechadas nem janelas altas ou baixas, apenas um enorme manto verde estendido por todos os lados do horizonte. A verdade é que aqui estou, mas nem disso estou seguro. 



publicado por Mário Ramos d´Almeida às 18:42
Da infância, da vida e da morte.
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