Quarta-feira, 25 de Novembro de 2009

Capitulo I - 3ªparte

 

 

Enquanto caminhava de regresso ao hotel, fui tentando deslindar este improvável caso, mas nenhuma explicação me ocorria. Donde viera o usurpador? Como seria possível a nossa semelhança? Como tomara ele o meu lugar? Estaria eu certo quanto à minha própria identidade? Eu seria eu? Tudo isto começava-se-me a afigurar psicótico e cheguei a temer pela minha sanidade. E como forma de a manter, concluí que o melhor seria desistir de tudo e entregar a minha vida ao usurpador, e seguir, a partir desse momento, a minha nova e coersiva vida. Após tomar esta decisão senti-me derrotado, ultrajado, humilhado, e como consequência disto tudo senti-me infeliz, revoltado. Senti vontade de matar o vil usurpador, uma vontade febril de o esganar e poder tomar a minha vida de volta. Sim, era isso! Os meus sentimentos não me enganavam. Essa seria a única resolução possível, matá-lo! Só assim poderia retomar a minha vida, tudo voltaria ao normal. Faria-o desaparecer do mesmo modo sinistro e repentino com que aparecera. Animei-me com esta determinação e todos os sentimentos anteriores se transformaram em doce felicidade, tanto que entrei aos pulos no meu quarto de hotel.

            Só precisava agora de um plano para levar a cabo este assassínio. Decidi observar os seus movimentos durante três dias e constatei que todos os seus hábitos eram os meus. Desde o caminhar pelo parque e ler o jornal no banco do jardim ao final do dia, até ao deambular pelos bares até ao vómito durante a noite. Ao confirmar esse facto, decidi avançar e acabar com aquele reles ser. Roubei uma faca de talhante na cozinha do hotel durante a madrugada, e na manhã que se seguiu esperei o obtuso na porta da sua casa, da minha casa, e seguiu-o até à empresa. Como sempre, seguira a pé, como eu também o fazia, pois a empresa situava-se a apenas dez minutos dali. Enquanto se preparava para atravessar um beco sinistro e apertado, que utilizava sempre como atalho, apressei o passo e já dentro do beco alcancei-o. Gritei-lhe qualquer coisa idiota, pois era o meu primeiro assassínio e todas as células do meu corpo se animaram até à loucura, avancei de faca em punho e atingi-lhe o peito. A faca penetrou fundo até lhe sentir o corpo com o meu punho. Os seus olhos abriram-se de espanto e do interior da sua boca saltou-lhe um estrépito que ainda agora, neste momento, o ouço zumbindo na minha cabeça. O seu corpo caiu como um boneco inanimado e eu confirmei a sua morte sentindo-lhe a carótida. Abandonei o local apressadamente sentindo algo estranho que posso tentar situar entre o medo e a felicidade. O meu primeiro pensamento foi inteiramente para a minha família. O desespero que antes sentia foi-se desvanecendo à medida em que me aproximava da casa da minha mulher, da minha casa afinal. Aí chegado bati na porta com todas as minhas forças esperando que alguém me ouvisse. E isso aconteceu por fim. A porta abriu-se e o que eu por essa altura julgava ser improvável aconteceu: A minha mulher não me reconheceu. Pedi-lhe que olhasse bem para mim, uma, duas, as vezes que fossem necessárias, mas de nada adiantou. Ó miserável destino! Matara um homem em vão. Aquilo que pensei ser a minha salvação seria o meu degredo, a minha condenação ao inferno. Regressei de orelhas murchas ao meu quarto de hotel. Estava destinado a viver em solidão o resto da minha vida. De uma vida que afinal nem era minha, ou a ser nunca a havia reconhecido como minha antes. A única que eu reconhecia fora-me roubada e jamais me seria devolvida. Sentei-me na secretária e aqui estou eu agora, escrevendo esta missiva, esperando que alguém compreenda este meu desespero, entretanto regressado.

Oiço passos no corredor junto do meu quarto. Passos fortes e pesados, poderiam muito bem ser de um exército. Parece que batem à porta do meu quar



publicado por Mário Ramos d´Almeida às 22:27
Quinta-feira, 19 de Novembro de 2009

Capitulo 1 2ªparte 

 

 

Mas se queria recuperar a minha vida teria de tomar decisões. Uma vez que estava impedido de entrar em minha própria casa, decidi alugar um quarto de hotel, no intuito de, pelo menos, ter um local onde dormir e um local onde as minhas malas pudessem estar em segurança, e após isto resolvi deslocar-me à empresa.

            A empresa situava-se na zona nova da cidade sendo que todo o seu edificio era um enorme espelho moderno. Chegado à recepção – local por onde já passara milhões de vezes antes, mas, sensação estranha, entrava no edificio pela primeira vez – fui travado por um dos seguranças, por sinal o que de todos havia mostrado, no passado, maior respeito e afinidade para comigo. Pediu-me a identificação, ao que eu, incrédulo, respondi perguntando porque era necessária essa formalidade comigo, que tantas vezes entrara naquele edificio, tantas vezes nos haviamos cruzado e trocado não só palavras de circunstância como igualmente assuntos de índole íntima. Sim, Óscar, era este o seu nome, havia sido em tempos meu confidente, a única pessoa em quem poderia confiar quase cegamente. Mas não agora. Já não poderia confiar em ninguém, fiquei certo disso naquele momento. E mais certo disso fiquei quando lhe perguntei se se recordava de mim, ao que ele me respondeu, “Nunca o vi antes em toda a minha vida.” Insisti, “Tem a certeza disso? O seu nome não é Óscar? Trabalho nesta empresa há mais de dez anos, conheço-o praticamente desde essa altura. Como é possível que não se recorde sequer da minha face?!”, “Olhe que eu possuo uma memória de elefante, já a minha mãe me dizia. Pobre senhora, faleceu já faz cinco anos, sabia? De qualquer modo, se o tivesse visto antes recordar-me-ia, com toda a certeza. Acontece inúmeras vezes pessoas virem aqui uma única vez apenas, repare: uma única vez!, trazer ou buscar algum documento, pois repare, eu vejo-as na rua e reconheço-as de imediato. Até me consigo recordar do dia em que cá estiveram e do assunto que as trouxe. Acontece inúmeras vezes. Portanto, esteja certo do que lhe digo, caro senhor. Se o tivesse visto antes recordar-me-ia. Contudo, não é o caso. Sim, o meu nome é Óscar. Mas qualquer pessoa que consiga ler o descobre visto ter o cartão de identificação bem à vista de todos, aqui pendurado no meu peito.” De nada adiantaria eu insistir. Algum bandalho roubara-me a identidade, o meu corpo, a minha face, e eu nada podia fazer. Havia tomado o meu lugar na minha familia, na minha casa, no meu emprego. Tudo! Eu agora nada tinha. Quem era eu agora afinal? Ninguém, temi eu. E temo ainda neste momento.

            A minha carteira desaparecera do bolso das calças. Presumi, e presumo ainda, que alguém ma tivesse surrupiado enquanto dormia no banco do jardim, entanto nada posso provar. Sem identificação não sou ninguém. Um corpo incógnito apenas, errando, pesaroso, pelas ínvias ruas da grande cidade. Preparava-me para, desgraçadamente, abandonar o edifício, quando se cruzou comigo, altivo, de pasta na mão, o bandalho, o ladrão, o usurpador de identidades. Na vez de sair, fiquei aguardando com curiosidade policial os seus movimentos. O bandalho demorou-se largamente com Óscar, discutindo trivialidades como eu tanto gostava de fazer. Era evidente que havia tomado o meu lugar na empresa e enfureci-me de indignação, enfureci-me tanto que as palavras saltavam por si só da minha boca, palavras ofensivas e indignadas, gritadas bem alto para que todos conhecessem a peça que ali se encontrava, um bandalho da pior espécie, um usurpador! Óscar veio em seu socorro. Colocou-me dolorosamente o braço atrás das costas e lançou-me porta fora com uma violência tal que aterrei de rojos na calçada poeirenta. Ergui-me mais a minha dignidade e sacudi o pó da roupa. Aquilo não iria ficar assim, prometi a mim mesmo. Decidi apresentar uma queixa na esquadra de polícia mais próxima. Lá chegado, contei tudo o que se havia passado desde que regressara do estrangeiro, e fi-lo com mais pormenor do que o faço aqui nesta missiva. E de que me valeu este meu esforço de detalhe? Nada, absolutamente nada. Os guardas riram-se descaradamente na minha cara. O meu relato divertiu-os tanto que os próprios detidos que lá se encontravam riram desavergonhadamente. Parece-me que cheguei a ouvir um dos guardas chamar outros que se encontravam de serviço na rua, para que também fossem ouvir o meu relato. Resolvi abandonar aquele manicómio e quando o fiz levei o meu orgulho preso por uma trela, mas a minha honra intacta. Já havia dobrado o quarteirão e ainda os ouvia rir. Estupores!



publicado por Mário Ramos d´Almeida às 21:51
Quarta-feira, 11 de Novembro de 2009

 

Capitulo I - 1ªparte

 

Sempre duvidei dos fenómenos transcendentais, sempre me declarei um céptico, mas o facto é que algo de muito estranho, muito macabro me sucedeu:

            Sou um bem sucedido executivo numa grande empresa multinacional e há cerca de um mês atrás parti em negócios para um país distante. Em casa deixei a minha mulher e os meus dois filhos. Era uma situação comum, portanto, sem envolver preocupações especiais além das habituais providências destas ocasiões. Os negócios correram-me maravilhosamente bem, o pior foi quando regressei, há uns dias atrás.

            Aterrei no meu país, e ao sair do aeroporto estranhei de imediato o facto de ninguém da empresa me ter enviado um carro com o respectivo motorista, como seria de esperar. Entanto, os esquecimentos são frequentes na raça humana. Atafulhei as minhas três malas na bagageira de um táxi e regressei a casa. Aí cheguei cerca da meia-noite. As saudades da minha familia eram imensas, não via a hora de os poder ter em braços e suspirar de comoção e alegria por os poder reencontrar. Tirei a chave de casa do fundo da minha pasta a tiracolo. Tentei abrir a porta mas a chave tão pouco cabia na fechadura. Virei-a e revirei-a, mas nada. Cocei o cocuruto. A fechadura havia mudado. Preparava-me para tocar a campainha mas o ruido das minhas tentativas despertara a minha família. A porta abriu-se. Da penumbra da noite sobressaiu a bela face da minha esposa tocada pela claridade de um candeeiro próximo. E quando eu esperava um abraço de esposa, um beijo de amante, apanhei com esta dolorosa pergunta na cara, “Posso ajudar?” Tomei por brincadeira, mas por poucos instantes pois esta arrastou-se e entendi então que a minha esposa estava louca. Só poderia estar louca, que outra explicação haveria? Garanti-lhe que aquela era a minha casa, ela a minha esposa, eu era o chefe daquela familia. Foi então que ela me chamou de louco, louco eu, imagine-se, disse-me ainda que a deixasse em paz e que se eu tardasse em sair dali chamaria a policia sem qualquer constrangimento. E ainda se atreveu a bater com a porta no meu nariz.

            Algo deveras muito estranho se passava. Aquela era a minha casa, aquela a minha mulher, eu era eu! Toquei a campainha, já nem o seu berrar era o mesmo, para exigir uma explicação, o que seria o mínimo que poderia exigir naquele momento, mas isso não me foi concedido. A minha mulher gritava-me de dentro de casa para que me fosse embora, caso contrário chamaria o marido, “Eu sou o teu marido! Acredita em mim!” Repliquei eu depois de encher os pulmões de ar para que as palavras me saissem mais convictas. Finalmente, sentei-me numa das minhas malas esquecidas à porta da casa, da minha casa. Esperei não sei o quê. Esperancei-me em que o dia trouxesse a resolução para esta macabra situação. Nos intervalos da minha espera largava sonoros bocejos, estava tomado pelo cansaço. Não sei se dormi, o facto é que não ouvi ninguém chegar perto de mim, e até saltei quando me tocaram o ombro. Virei-me, era um homem. Tinha, naquele instante, a cara afundada numa das sombras da noite. Perguntou-me o que fazia eu ali com todas aquelas malas à porta da casa dele. Eu pacientemente respondi-lhe que aquela era a minha casa, sempre fora a minha casa, vivia lá há anos com a minha familia. O estupor chamou-me de bêbedo, entre outras coisas mais aviltantes ainda. Eu, já tomado pela cólera, perguntei-lhe se era o amante da minha mulher. Ele abeirou-se de mim e segurou-me nos colarinhos. Foi então que pude vislumbrar o rosto do homem. Não queria acreditar no que os meus olhos viam, tamanha a inverosimilhança da situação. Algo de muito estranho se passava ali realmente, com toda a certeza. Olhando o homem olhava num espelho. Cada traço, cada ligeiro traço, até o franzir das sobrancelhas era idêntico, tudo nele era meu. Tudo! Tudo! Ele não pareceu notar a semelhança pois continuou ameaçando-me frebrilmente. Face às circunstâncias, menti, jurei a pés juntos que tudo não passaria de um equivoco, de um lamentável lapso da minha memória, que se encontrava cada vez mais debilitada mercê de uma doença neurológica degenerativa. Ele pareceu acreditar-me. Largou-me. Arrastei as malas para o jardim mais próximo para poder, enfim, recuperar a clarividência entretanto perdida e esperar que o novo dia disfizesse todo este imbróglio, ou que me fizesse despertar deste vil pesadelo. O homem entrou na minha casa destrancando facilmente a fechadura.

            Deitei-me no banco do jardim, cercado por meliantes e indigentes, até que a consciência tornou-se-me pesada e acabei por adormecer. Ao despertar na manhã seguinte, os acontecimentos da noite anterior repetiram-se cronologicamente na minha cabeça e tudo continuava-me a parecer inverosímel. Cheguei a aventar de que tudo não passaria de um odioso sonho, aliás, um funesto pesadelo. Mas não. Tudo fora real, demasiado real.

 



publicado por Mário Ramos d´Almeida às 19:21
Quarta-feira, 04 de Novembro de 2009

Um homem tinha aversão a filósofos. Ele próprio tentou atirar a sua filosofia fora embalde pois ela regressava sempre. Após que tempos neste vai e volta, o homem compreendeu que era impossível viver sem ela e em sua vez atirou fora a vida.



publicado por Mário Ramos d´Almeida às 20:49
Da infância, da vida e da morte.
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