Bati três vezes à porta da velha casa mas ninguém me respondeu. Gritei, "Ó da casa!", nada, "Está alguém?", nada. Tornei a bater como se não tivesse obtido resposta alguma, além do ricochete da minha voz trémula. Tinha escolhido aquela casa porque era a única das redondezas cuja chaminé fumegava, ouvia barulho dentro da casa, televisão a palrar, crianças a brincar, pessoas a discutir, mas ninguém me ouviu bater, e eu que só queria uma sopa quente porque sentia muito frio. Frenético, enrolei-me no grosso casaco imundo e esperei que a porta enfim se abrisse mas isso não aconteceu, mas mesmo assim eu esperei. Pensava já em desistir quando por fim a porta chiou e um homem grande surgiu por detrás dela. Disse-me com maus modos, "O quê!? Ainda aqui estás? Faz três dias que bates à minha porta quando te disse já variadíssimas vezes que não tenho sopa quente. Nem fria tampouco, quanto mais quente. Vai-te embora, já te disse." e eu respondi-lhe, Não o quero incomodar. Só lhe peço ajuda, não precisa de me dar sopa. Dê-me uma tigelinha de ajuda, por favor. Não o quero incomodar." A porta fechou-se com estrondo. A minha alma abanou. Esperei mais alguns anos à porta da velha casa, a chaminé sempre a fumegar, mas ninguém entrava ou saía. Um dia a porta abriu-se, sem eu ter batido sequer, o homem grande surgiu por detrás dela e estava agora grisalho e encarquilhado. Ordenou-me que entrasse. Aquiesci, sentia muito frio. Disse-me estas palavras, "Estou muito velho, muito cansado. Como imaginas, já não tenho condições para cuidar desta família. Senta-te. Esta agora é a tua poltrona. Esta a tua mulher, estas as tuas crianças. Agora, esta é a tua família. Mas lembra-te: Nunca dês sopa a ninguém. Quando te sentires velho e cansado chamas o homem que estiver de pé na soleira da porta. Ele cuidará bem da tua casa, podes estar seguro. Adeus." O homem saiu da velha casa. Eu permaneci sentado na minha poltrona.
Nunca mais senti frio.