Quarta-feira, 03 de Junho de 2009

Conhecera-o apenas há dez minutos, mas o facto é que ele era meu amigo, o meu único amigo. Nós éramos duas crianças, portanto dávamos muitos abraços e trazíamos as calças rotas. Partimos da aldeia rumo à cidade e pelo caminho entrámos em várias quintas privadas, subimos a várias árvores frutuosas, e várias, e apetitosas, eram também as frutas que comemos. Largávamos das quintas sempre todos lambuzados e com as roupas todas sujas. Andámos muito, muito, mas tamanha era a satisfação com que conversávamos, cantarolávamos e saltávamos que o tempo já estava longo e eu teria de regressar a casa com breve urgência. A minha mãe esperava-me debruçada sobre as panelas e o meu pai de cinto na mão. Chegámos à aldeia em dois minutos e ao chegarmos o meu amigo colou as palmas das mãos à cara e chorou. Perguntei-lhe porque chorava ele, o que se passava. Ele respondeu-me entre soluços que não queria regressar a casa porque o pai seria muito severo, aplicar-lhe-ia castigos horrendos. Um dia teria de regressar mas não queria que fosse para já, não naquele momento. Então ofereci-lhe a minha casa, a minha comida, a minha cama, ele era meu amigo, e ficou-me muito agradecido. Quando no dia seguinte acordei já ele lá não se encontrava e eu lancei-me doido à sua procura. Quando por fim desisti e me sentei na soleira encardida da porta da minha casa, ele apareceu enrolado num lençol segurando o fogo sábio. Ofereceu-mo. Havia-o roubado à família e disse-me que o pai seria capaz de lhe dar a comer os olhos aos bichos por essa traquinice. Eu ri-me e ele assegurou-me que seria verdade. Eu ri-me novamente e ele agradeceu-me tudo o que havia feito por ele.

Nunca mais vi o meu amigo, nem soube o que o destino lhe concedeu. Guardo ainda hoje o fogo sábio antigo, não o darei a ninguém nunca, foi ele quem mo deu, nem nunca esquecerei o meu amigo, o meu único amigo, Prometeu. 



publicado por Mário Ramos d´Almeida às 19:50
Quinta-feira, 28 de Maio de 2009

O poço era baixo para cima e alto para baixo, a boca larga tanto em baixo quanto em cima, enquanto eu era pequenino pois não passava de uma criança. Os pássaros voavam num conjunto ordeiro ocupando pequenos espaços no céu, e quando o primeiro oscilava ou mudava de direcção para os lados os outros seguiam-no de imediato como se fossem pequenas formigas com asas. Aproximei-me do poço porque não tinha com quem brincar e debrucei-me sobre a sua boca para poder espreitar dele. Gritei para que o eco me devolvesse as palavras porque enfim eram minhas, haviam saído da minha boca, "Sou uma criança!" Mas o eco ficou-me com elas, não respondeu. Fiquei desanimado, porém tentei mais uma vez, "Sou a criança da boca do poço!" E dessa vez ele devolveu-mas, "Só te respondo se cá vieres ao meu fundo." E eu disse, "Na, na, depois não consigo sair." E ele insistiu, "Mas assim não podemos conversar. Não é isso que queres?", "Eu só quero brincar, não te esqueças de que sou apenas uma criança, além disso já estamos a conversar.", "Então está bem, pronto." Mas eu tive pena dele porque eu era só uma criança. Saltei para dentro do balde de matar a sede e desci-me poço adentro. Chegado a meio do caminho dei-me conta da corda esgarçada e foi então que senti medo. Eu, uma pequena criança, a descer para o fundo de um poço por um balde suspenso numa corda esgarçada... Decidi regressar a cima e vi que os meus amigos já haviam chegado. Corri, saltei, estatelei-me por sobre a relva, e finalmente deitei-me junto deles que já lá se encontravam há muito.



publicado por Mário Ramos d´Almeida às 00:25
Da infância, da vida e da morte.
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